A emergência sanitária mundial da COVID-19 reforçou o olhar da sociedade internacional sobre a saúde pública. A ingerência de interesses econômicos, em todas as áreas, encontrou limites na vida, ou até colocou a vida no limite. Por todos os países, em maior ou menor medida, em algum momento, os liames foram reconfigurados, rediscutidos, no intuito de conseguirmos superar a pandemia em questão. As formas de superação são diferentes em cada país e em momentos evolutivos do avanço do vírus. Muitos países se destacam pelo negacionismo: no MERCOSUL, o destaque (negativo) é o Brasil. Enquanto os demais países do bloco buscavam formas de conhecer as dimensões da pandemia, no Brasil, tivemos um forte embate entre ciência, política e religião. Como se sabe, a ciência foi negada por muito tempo.
Se é certo que o vírus não faz distinção, porém, a desigualdade social proporciona uma seleção que só agrava as injustiças sociais. Não apenas agrava, mas também evidencia as vulnerabilidades, muitas vezes, invisibilizadas. Os segmentos hipervulneráveis, como os povos originários, veem o passivo colonizador que ainda recai sobre eles, por preconceito e descaso, aumentando o impacto da pandemia. No Brasil, os indígenas foram postos como prioridade para a vacinação, importante e necessário expediente, mas isso não conta toda a história da relação deles com a sociedade e com o Estado brasileiros. Os conflitos foram novamente expostos, e se faz relevante um debate reflexivo sobre toda a saúde indígena. No MERCOSUL, no Plano Estratégico de Ação Social (PEAS), aprovado em 2011, há um eixo sobre a universalização da saúde pública que deve ser observado, junto com as normativas daí decorrentes.
Esta publicação se propõe a isto, com foco especial nos povos de fronteira. Retoma-se, aqui, a discussão de que as fronteiras para povos indígenas não são as mesmas impostas por uma construção feita a partir da colonização europeia. Para se tratar a política de saúde a contento, isso precisa ser observado. Entretanto, sem descuidar das construções já propostas ou existentes em algum período pelos Estados do Cone Sul, serão recuperados textos legislativos, tratados e publicações dos Estados fundadores do MERCOSUL. Da mesma forma, será olhada a política de atenção à saúde dos povos indígenas no Brasil; como a situação específica, em face da COVID-19, das comunidades indígenas Ayoreas e Pa’ĩ Tavyterã do Paraguai, que fazem fronteira conosco. A pandemia também será vista pela ótica da metateoria do direito fraterno e da crítica descolonial.